Acórdão: Apelação Cível n. 2005.023697-8, de São Bento do Sul.
Relator: Des. Luiz Cezar Medeiros.
Data da decisão: 06.09.2005.
EMENTA: ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - EXONERAÇÃO A PEDIDO DO SERVIDOR - REINTEGRAÇÃO NO CARGO - INCAPACIDADE RELATIVA NÃO COMPROVADA - IMPOSSIBILIDADE
"O ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito" (CPC, art. 333, I).
O ato administrativo que exonerou servidor público a pedido deste, somente pode ser anulado, reintegrando-o ao cargo que ocupava, se evidenciada a alegada incapacidade do agente ao tempo da solicitação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.023697-8, da Comarca de São Bento do Sul, em que é apelante Valmor Marques Martins e apelado Município de São Bento do Sul:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I -RELATÓRIO:
Valmor Marques Martins ajuizou ação em face do Município de São Bento do Sul, pretendendo a sua reintegração em cargo no serviço público municipal. Alegou que ao tempo de sua exoneração possuía distúrbios psicológicos que o levaram a solicitar o afastamento do serviço, o que foi atendido de pronto pela Administração. Anotou que a incapacidade relativa ao pedir a exoneração ensejaria a anulação do ato e o retorno às atividades.
O Meritíssimo Juiz, em sentença proferida às fls. 94/101, julgou improcedente o pedido. A parte dispositiva foi lançada nos seguintes termos:
"Por todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pleito constante na presente ação ordinária de reintegração em cargo público proposta por VALMOR MARQUES MARTINS em face do MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO SUL, partes qualificadas inicialmente, julgando extinto o feito, o que faço com fulcro no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Em conseqüência, condeno o autor no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do Dr. Procurador do réu, fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), ex vi do § 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil. Todavia, fica suspensa, por ora, a exigibilidade das verbas sucumbenciais, tendo em vista que o autor goza dos benefícios da assistência judiciária.
Publique-se. Registre-se. Intime-se."
Inconformado com o teor do decisório, o autor interpôs o presente recurso, repisando os argumentos esposados na inicial e asseverando que a incapacidade relativa teria sido amplamente demonstrada nos autos, razão pela qual a r. sentença deveria ser reformada.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Doutor Nelson Fernando Mendes, deixou de emitir manifestação de mérito.
II -VOTO:
Cuida-se de apelação cível interposta por Valmor Marques Martins, irresignado com a decisão que julgou improcedente seu pedido de reintegração em cargo público.
Alega o apelante que possuía sérios problemas mentais decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas à época em que solicitou exoneração do cargo que ocupava nos quadros da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, razão por que o ato deveria ser anulado e operada a sua reintegração no serviço público.
Dispõe o art. 4º do Código Civil:
"Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A incapacidade dos índios será regulada por legislação especial."
Com relação à expressão "ébrios habituais", Roberto Senise Lisboa esclarece:
"A questão da embriaguez deve ser bem compreendida. Não se considera relativamente incapaz aquele que simplesmente se utiliza de bebida alcoólica, mas a pessoa que a ingere habitualmente, tendo por esse motivo reduzido o seu discernimento para a prática de atos e negócios jurídicos.
[...]
A habitualidade pode se dar de forma periódica mais constante ou não, como diariamente, a cada dois dias, a cada final de semana. A legislação não conduz ao absurdo de se reputar relativamente incapaz aquele que simplesmente ingere bebida alcoólica, mas sim o que perde por esse motivo, ainda que de forma parcial, a compreensão da realidade que o cerca, para praticar atos e negócios jurídicos." (Manual de Direito Civil, volume 1. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 311/312).
O art. 171 do mesmo Código, por sua vez, estabelece:
"Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores."
Mais a frente, no art. 185, há previsão expressa de que o ato jurídico regula-se pelas regras atinentes ao negócio jurídico.
Percebe-se, pois, que são considerados ébrios habituais aqueles que ingerem bebidas alcoólicas de forma habitual, constante, recorrente, ao ponto de se tornarem dependentes, e que são considerados relativamente incapazes para a prática de certos atos da vida civil quando têm seu discernimento afetado pela embriaguez. Por fim, quando comprovada a incapacidade relativa é que o ato é anulável.
In casu, as partes não discordam que o ora apelante ingeria bebidas alcoólicas, tendo inclusive sido suspenso por três vezes de suas funções em razão da embriaguez, segundo se depreende dos documentos de fls. 43/45.
Ocorre que não há provas suficientes de que se tratava de um "ébrio habitual", ou seja, de que a prática era freqüente, ao ponto de se tornar um vício. Tampouco se pode atestar que quando solicitou a exoneração estava alcoolizado e com seu raciocínio, bom senso e discernimento afetados pela bebida.
Mais importante de tudo: se o recorrente realmente se enquadrava na circunstância fática que autoriza o reconhecimento da incapacidade relativa, teria que ser interditado; e a interdição, como sabido, é o reconhecimento judicial da incapacidade daqueles que por preencherem o requisito cronológico previsto em lei (Código Civil, art. 5º) deveriam tê-la na sua forma plena.
Na falta de interdição como poderia a Administração saber da redução da capacidade de discernimento do autor. Que ele ingeria bebidas alcóolicas é razoável a conclusão de os seus superiores terem ciência disso. No entanto, a redução do discernimento ou os elementos que poderiam autorizar a presunção de que isso teria ocorrido deveriam ser demonstrados em regular processo de interdição.
Ora, é cediço que "o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fatos constitutivo de seu direito" (art. 333, inc. I, CPC).
Sobre o ônus da prova, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini lecionam:
"[...], ônus da prova pode ser conceituado como a conduta que se espera da parte, para que a verdade dos fatos alegados seja admitida pelo juiz e possa ele extrair daí as conseqüências jurídicas pertinentes ao caso. Já que há interesse da parte em demonstrar a veracidade dos fatos alegados, porque somente assim pode esperar sentença favorável, ônus da prova significa o interesse da parte em produzir a prova que lhe traga conseqüências favoráveis." (Curso Avançado de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5a ed., 2002, vol.1, p. 446).
Conclui-se, portanto, que cabia ao autor, ora apelante, demonstrar que o ato que o exonerou era realmente anulável, ou seja, que ele era relativamente incapaz quando fez o pedido de afastamento do serviço público. Em outras palavras, que bebia freqüentemente e que estava embriagado quando requereu a exoneração. Somente assim a prestação jurisdicional positiva seria possível.
Um ato de exoneração procedido a pedido do servidor, não pode ser anulado tomando-se por fundamento apenas um atestado médico produzido unilateralmente e a afirmação do próprio exonerado de que possuía problemas psicológicos tão graves que o levaram a cometer tal desatino.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso, confirmando a sentença na integralidade.
III -DECISÃO:
Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Francisco Oliveira Filho e Newton Trisotto.
Florianópolis, 6 de setembro de 2005.
Francisco Oliveira Filho
PRESIDENTE
Luiz Cézar Medeiros
RELATOR.
STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL, o autor
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